Ordem dos Médicos não consegue suspender violadores nem cirurgiões desastrados

A Ordem dos Médicos reclama uma reforma legislativa que lhe permita suspender médicos com comportamentos de risco para a Saúde Pública. «A Ordem dos Médicos tem um compromisso ético e legal de garantir, em qualquer circunstância, a qualidade do ato médico e a dignidade dos doentes. Quando os nossos conselhos disciplinares concluem pela existência de riscos para os doentes, têm de existir instrumentos de suspensão da atividade, caso existam motivos técnicos e clínicos evidentes, tal como o pode fazer qualquer tribunal», declara o bastonário, Carlos Cortes, ao Nascer do SOL.
Não faltam casos para justificar este alarme. Vamos analisar dois.
Valério Saraiva de Carvalho, ginecologista e violador de um número indeterminado de mulheres suas pacientes, praticou pelo menos três crimes considerados provados em tribunal. Em 2012, foi condenado por duas violações ocorridas no Hospital de São Francisco Xavier. Apanhou pena suspensa. Os juízes esperavam que esse aviso bastasse para prevenir a reincidência no vergonhoso crime.
Estavam enganados.
Cinco anos depois, violou uma jovem chinesa durante a consulta, estimulando-lhe o clitóris até à exaustão. Conforme relato do Público, ainda teve tempo para lhe perguntar «se praticava sexo anal com o namorado». Há três anos, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou nova sentença de condenação: quatro anos de prisão efetiva.
Com a alegação de que as mulheres sempre interpretaram mal os seus ‘atos médicos’, o violador Valério andou de recurso em recurso, até ao Tribunal Constitucional.
Há cinco meses, ainda atendia mulheres em Entrecampos, no centro de Lisboa. Esse consultório aparece agora na Internet como «encerrado definitivamente». O telemóvel toca, mas ele não atende a chamada, nem responde às mensagens escritas do Nascer do SOL.
Continuará a fazer exames ginecológicos a mulheres mal informadas? A Ordem dos Médicos nem sequer sabe. Não seria a primeira vez que um tribunal, neste e noutros processos, se esquecia de a informar, para poder exercer a sua ação disciplinar e cassar a célula profissional ao médico.
Quem ler os relatórios do Conselho Disciplinar do Sul da Ordem e da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) sobre as façanhas de Pedro Cavaco Henriques, especialista em Cirurgia Geral, só pode ficar nauseado.
A sua «obstinação cirúrgica» causou danos, nalguns casos irreversíveis, a um número indeterminado de doentes, conforme revelado pelo jornal digital Página UM. Várias infeções cirúrgicas, necessidade de segundas cirurgias para corrigir as primeiras, sacos de colostomia, incapacidade crónica de controlo urinário.
A Ordem dos Médicos chegou a suspendê-lo preventivamente. Só que o Conselho Disciplinar do Sul cometeu um erro processual de principiante: não o ouviu formalmente no processo. Em resultado disso, o Tribunal de Loulé levantou-lhe a suspensão preventiva.
Liberto da proibição, o cirurgião voltou ao ativo — e a ter novos problemas. As nossas fontes relatam que, estando de serviço à Urgência, se antecipou ao ginecologista e atendeu de forma deficiente uma mulher grávida. As versões divergem, apesar dos esforços do Nascer do SOL para apurar os factos. Será necessário esperar pelo resultado de novo inquérito, em curso, na Ordem dos Médicos. O visado não reagiu às nossas tentativas de contacto.
Pedro Henriques acaba de ser suspenso, por 40 dias, pela IGAS. Se não tentar atrasar a aplicação da pena nos tribunais, ficará inativo a partir de 1 de novembro. Até lá, continua a atender doentes.
A partir de 11 de dezembro, voltará a fazê-lo sem qualquer restrição formal. «É médico assistente hospitalar de Cirurgia Geral, na plena posse de qualificações profissionais, para o exercício dessa especialidade hospitalar. Está integrado no Serviço de Cirurgia Geral 1, participando nas atividades normais desse serviço, sob a orientação do respetivo diretor», esclarece o Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde do Algarve. A administração da ULS adianta que é acompanhado, como se ainda fosse um médico interno, «por outros médicos de maior graduação profissional, ou seja, assistentes graduados e assistentes graduados seniores, os quais têm o dever profissional na sua carreira de apoiar os colegas menos graduados nas suas tarefas».
Jornal Sol