Porcos resistentes à peste suína clássica criados por meio de edição genética

Cientistas do Instituto Roslin em Edimburgo usaram a técnica de edição genética CRISPR para alterar um gene crucial para a replicação do vírus da peste suína clássica (PSC).
O estudo, conduzido em colaboração com a Agência Britânica de Saúde Animal e Vegetal (APAH) e publicado hoje no periódico Trends in Biotechnology, foi realizado em quatro animais e mostra que os animais geneticamente editados permanecem completamente saudáveis após serem expostos ao vírus.
“Uma doença devastadora para o gado e os agricultores”“A peste suína clássica é uma doença devastadora para o gado e os criadores, como vimos com o surto no Reino Unido há 25 anos”, disse Helen Crooke, vice-diretora de virologia de mamíferos da Agência de Saúde Animal e Vegetal (APHA), onde o estudo com suínos foi conduzido. “Esperamos que este avanço possa ajudar a fortalecer a resiliência do setor pecuário à doença”, disse ela ao jornal britânico The Guardian.
A PSC, também conhecida como cólera ou peste suína, causa febre, lesões cutâneas, convulsões, diarreia e, frequentemente, morte em menos de duas semanas. Embora tenha sido erradicada do Reino Unido em 1966, causou surtos esporádicos desde então e permanece endêmica em países como China, Rússia e Brasil.
O estudo, o primeiro a demonstrar resistência viral por meio de mutação genética, concentrou-se no gene DNAJC14, associado à replicação do pestivírus. Pesquisas anteriores haviam demonstrado que a modificação de uma sequência específica de DNA era suficiente para bloquear a replicação viral.
Leia tambémCom base nisso, a equipe de Roslin — famosa por clonar a ovelha Dolly em 1996 — criou uma linhagem de porcos com a mesma alteração genética e os expôs ao vírus da peste suína clássica, juntamente com um grupo de porcos de controle. Enquanto os animais não modificados desenvolveram sintomas graves e altos níveis de vírus no sangue, os porcos modificados permaneceram completamente saudáveis.
Opinião de especialistas espanhóisO professor Joaquín Gadea, da Universidade de Múrcia, elogia o trabalho como "de alta qualidade, tanto no desenho experimental quanto na clareza dos resultados e suas implicações práticas". Ele enfatiza que as células derivadas dos animais modificados também apresentam resistência ao vírus da diarreia viral bovina.
“Saúde, bem-estar animal e implicações econômicas”"O artigo confirma a utilidade da edição genética como ferramenta para gerar resistência viral em animais de produção, o que tem enormes implicações para a saúde, o bem-estar animal e a economia", afirma Joaquín Gadea, professor de Fisiologia e pesquisador da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Múrcia. Ele também lamenta que as autoridades europeias ainda não tenham autorizado o uso comercial de animais geneticamente editados, apesar dos relatórios favoráveis da EFSA. "Essa situação, somada à falta de apoio empresarial e à proteção limitada de patentes, está dificultando o desenvolvimento desses modelos na Espanha."
O professor Christian Gortázar, do Instituto de Pesquisa em Recursos de Caça (IREC), concordou que o trabalho é "metodologicamente sólido e inovador". Ele também acrescentou: "As implicações para o controle da PSC podem ser significativas. No entanto, é uma doença que pode ser controlada por meio de vacinas, biossegurança e atenção ao reservatório da vida selvagem. Seria muito interessante obter efeitos semelhantes em doenças mais insidiosas que ainda não possuem vacinas adequadamente aprovadas, como a peste suína africana."
Uma mudança no horizonte regulatórioO avanço ocorre num momento em que países como Estados Unidos, Japão e Brasil já estão permitindo a comercialização de gado geneticamente modificado, enquanto o Reino Unido, com sua Lei de Reprodução de Precisão, está caminhando na mesma direção.
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“Há um imperativo moral de que, se podemos criar animais resistentes a doenças, provavelmente deveríamos fazê-lo”, diz Simon Lillico, coautor do estudo.
Para Emily Clark, do Instituto Europeu de Bioinformática do EMBL, "pesquisas como essa contribuem para a criação de animais mais saudáveis, para a redução de perdas para fazendeiros em áreas afetadas pela peste suína e para um grande avanço no uso da inovação".
Com esse avanço, o Instituto Roslin reafirma sua liderança global em biotecnologia animal e abre uma nova era rumo a uma pecuária mais resiliente a doenças infecciosas.
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