Os EPS não administram mais o dinheiro; agora o governo aloca a maior parte dos recursos: isso melhorou o sistema de saúde?

Um dos diagnósticos que o governo do presidente Gustavo Petro tem insistido é que a crise sanitária se deve, em grande parte, ao fato de as operadoras privadas de planos de saúde (PSA) estarem administrando recursos. É por isso que um dos pilares principais do projeto de reforma é que as seguradoras não seriam mais responsáveis por administrar os fundos de saúde do país, que giram em torno de US$ 100 bilhões de pesos anualmente. Em vez disso, a Adres, uma entidade estatal, transferiria fundos diretamente e pagaria hospitais, clínicas e empresas farmacêuticas pelos serviços prestados aos usuários.
No entanto, diante do complexo andamento do projeto de reforma no Congresso, o governo editou um decreto em abril do ano passado que permitiu mudanças nas condições para o aumento dos recursos alocados diretamente. Nesse sentido, os EPS que não cumprissem os requisitos (que eram a maioria) deixariam de gerir os recursos da saúde, passando a Adres a pagar diretamente às clínicas e hospitais, dentro de determinados parâmetros.
"A lei nos permite fazer pagamentos diretos a hospitais e clínicas públicas e privadas, e faremos isso para fazer um uso mais eficiente dos recursos da saúde pública", disse o presidente Gustavo Petro em 8 de abril do ano passado, dias antes da edição do Decreto 0489 de 2024 , pelo qual a Adres começaria a destinar os recursos correspondentes ao UPC e aos Orçamentos Máximos.

O presidente Gustavo Petro insistiu na transferência direta como solução. Foto: Presidência / Captura de tela do Change.org
Apenas um ano depois, a portaria do Ministério da Saúde já deu resultados. Segundo dados da Adres, em 2024, US$ 57 de cada US$ 100 pesos transferidos por essa entidade para pagar serviços cobertos pelo UPC não passaram pelo EPS; mas em vez disso recorreram diretamente a clínicas e hospitais. No total, US$ 48,1 bilhões de pesos em recursos de saúde foram pagos por meio de transferências diretas no ano passado. Até agora neste ano, até abril, US$ 20,5 bilhões foram transferidos por meio desse mecanismo.

Transferência direta em bilhões feita pela Adres nos últimos cinco anos. Foto: Endereço
Embora as EPS continuem a ser as que designam as clínicas e os hospitais para efetuarem este pagamento, atualmente o Governo, através da Superintendência da Saúde, controla mais de 60% dos associados, estando as nove EPS sob intervenção e uma EPS sob vigilância especial. Isso significa que o governo não só faz a transferência direta, mas também, por meio da Supersalud (Superintendência de Saúde), indica e aprova os Prestadores de Serviços de Saúde (IPS) a serem pagos, que no ano passado totalizaram 7.291.
Nesse sentido, o governo conseguiu agora, sem necessidade de reforma, uma das mudanças que mais pedia para transformar o sistema: que as EPS não mexessem com o dinheiro, mas que o Estado fosse responsável por pagar o que os pacientes recebessem. Hoje, um novo projeto de decreto busca ampliar o escopo dessa transferência direta. Atualmente, as transferências diretas têm um limite; ou seja, apenas 80% do que o EPS receberia pode ser transferido diretamente; os 20% restantes ainda vão para a seguradora para gestão. Agora, um novo projeto de decreto publicado para comentários pelo Ministério da Saúde busca aumentar esse limite para 90%.

Ministro da Saúde, Guillermo Alfonso Jaramillo. Foto: Ministério da Saúde
Conseguir esses aumentos nas transferências diretas, como o governo, o presidente Petro e seu ministro da Saúde, Guillermo Alfonso Jaramillo, vêm solicitando há meses, foi suficiente para melhorar o serviço de saúde? Segundo os dados, tudo indica que não.
Até agora, os números mostram que, em vez de melhorar, a situação piorou nos EPSs onde as transferências diretas estão sendo feitas atualmente. A maioria delas está sob o controle da Supersalud (Superintendência de Saúde) e representa mais de 60% dos membros do sistema. Isso ocorre porque, mesmo que o governo faça a transferência direta, os usuários continuam filiados a uma EPS, que teoricamente é responsável por seus serviços, embora eles não recebam mais uma grande parcela do pagamento que recebiam anteriormente pela prestação desse serviço.
Por exemplo, no caso da Sanitas, os indicadores vêm caindo no último ano, refletindo o descontentamento de seus membros. Em 2023, a Sanitas recebeu um total de 185.634 reclamações e, em 2024, recebeu 221.565, o que representa um aumento de 19% nas reclamações e reivindicações dos usuários deste EPS.
Nos meses anteriores à intervenção, ou seja, janeiro, fevereiro e março de 2024, a Sanitas acumulou 15.071, 15.721 e 14.367 reclamações, respectivamente. Um ano depois, durante a intervenção da Supersalud, a seguradora registrou 23.495 reclamações em janeiro e 20.931 em fevereiro de 2025. Uma fonte próxima à intervenção disse ao EL TIEMPO que os PQRDs, justamente, foram a dor de cabeça durante o processo. "Havia uma média de reclamações entre 22.000 e 23.000 por mês. No entanto, em novembro (de 2024), o número caiu para 21.000", explicou a fonte.

Para os usuários da Sanitas, nem a intervenção nem o encaminhamento direto resultaram em melhores cuidados. Foto: SANITAS
A mesma coisa aconteceu com a Nueva EPS. De acordo com dados da Supersalud, em fevereiro de 2024, a taxa de PQRD em Nueva EPS era de 21,26 por 10.000 membros e, em fevereiro deste ano, subiu para 34,88, o maior valor dos últimos três anos.
Mas Sanitas e Nueva EPS não são uma realidade isolada. De acordo com dados da Supersalud, a taxa de reclamações por 10.000 membros aumentou em oito dos nove EPS que foram intervencionados, com os maiores aumentos nos Servicios Occidental de Salud (SOS), Famisanar, Nueva EPS, Sanitas e Savia Salud.
Por outro lado, e apesar de os pagamentos diretos terem acelerado os pagamentos, este ano um número crescente de prestadores de cuidados de saúde (IPS) e gestores farmacêuticos decidiram deixar de prestar serviços aos membros da Nueva EPS devido às dívidas multimilionárias que a seguradora não pagou, o que os impede de continuar a oferecer serviços como internamentos e entrega de medicamentos.
De acordo com o porta-voz da Pacientes Colômbia, Denis Silva, embora a organização sempre tenha sido a favor de transferências diretas, ela não viu nenhuma melhoria no direito dos colombianos à assistência médica. Mesmo na opinião dele, houve uma regressão no atendimento ao cliente e há dúvidas sobre onde o dinheiro está sendo gasto.
“Quando falamos com prestadores públicos e privados e gestores farmacêuticos, todos dizem que não estão recebendo o dinheiro. Então nos perguntamos: a Adres está transferindo fundos para empresas de fachada ou para onde vai o dinheiro? A segunda questão é que a EPS decide para onde vai o dinheiro; ou seja, esta IPS recebe o pagamento, e esta não. Um caso específico é a Subred (Rede Nacional de Saúde) no Vale do Cauca, onde os controladores nomeados pela Superintendência de Saúde parecem estar administrando um negócio em que a EPS autoriza e a controladora se recusa a autorizar o pagamento. Então, algo está acontecendo”, afirma Silva.

Porta-voz da Patients Colômbia, Denis Silva. Foto: Arquivo Privado
Apesar do aumento nas transferências diretas, que o governo alega que melhorariam a gestão de recursos, em oito dos dez EPSs controlados pela Supersalud, as dívidas com clínicas e hospitais cresceram em apenas seis meses, de acordo com um relatório da Associação Colombiana de Hospitais e Clínicas (ACHC).
De acordo com os dados, em dezembro de 2024, a dívida com seus membros era de 20,3 trilhões de pesos, o que representa um aumento de 6,9% (aproximadamente 1,3 trilhão de pesos) em comparação ao estudo anterior, de junho do mesmo ano. O relatório também mostra um aumento no valor da carteira de empréstimos inadimplentes e sua concentração. Enquanto em junho de 2024 a taxa de inadimplência era de 55%, em dezembro de 2024 ela atingiu 55,3%, um aumento de mais de 770 bilhões de pesos entre os dois períodos.
Segundo Cristina Isaza, diretora executiva do Grupo de Participação Cidadã Plural, embora seja verdade que o aumento das transferências diretas centralizou a gestão dos fundos, isso não resolveu os problemas estruturais do sistema, como o governo previa. Isso, diz ela, faz com que o estado do paciente permaneça o mesmo ou pior, em uma situação em que é difícil acessar consultas médicas, medicamentos ou respostas.
“A capacidade operacional dos EPS foi enfraquecida sem um modelo alternativo claro e funcional, resultando em mais recursos nas mãos do Estado, mas menos controle e mais incerteza para aqueles que devem prestar e receber o serviço. Não há evidências de melhorias reais: nem em pontualidade, nem em qualidade, nem em cobertura. Tirar dinheiro de empresas privadas e entregá-lo diretamente a clínicas e hospitais parece bom no papel, mas na prática gerou desordem, falta de auditoria e caos administrativo. Não há regras claras nem critérios de priorização, e os procedimentos ainda dependem dos EPS que estão em terapia intensiva ”, enfatizou Isaza.
Por sua vez, Luis Jorge Hernández, especialista em saúde pública e pesquisador da Universidade dos Andes, enfatiza que, embora a transferência direta seja um avanço administrativo, pois melhorou a liquidez de alguns IPS que enfrentavam dificuldades financeiras, isso não substitui uma reforma estrutural que poderia fortalecer a qualidade, a pontualidade e a equidade do sistema de saúde colombiano.
“Essa medida melhorou a liquidez de muitos provedores e reduziu a intermediação financeira, um dos problemas de longa data do sistema. No entanto, essa mudança não se traduziu necessariamente em melhor atendimento aos pacientes. Embora os hospitais recebam o dinheiro mais rapidamente, atrasos, atendimento fragmentado e a falta de cobertura abrangente persistem em várias regiões do país”, enfatiza Hernández.
O ex-ministro da Saúde, Augusto Galán, é mais enfático, afirmando que até o momento não há evidências de que a transferência direta tenha ajudado a melhorar o atendimento aos pacientes e até questiona se ela está realmente ajudando os IPSs, já que muitos continuam relatando que há recursos devidos e que há cada vez menos fundos disponíveis do Estado para pagar pela saúde, já que o aumento do UPC neste ano foi menor do que o esperado. "Não há evidências de melhora. Pelo contrário, o acesso continua a piorar e as transferências diretas não estão necessariamente melhorando a situação financeira de clínicas, hospitais, operadores logísticos e outras entidades que operam o sistema de saúde", acrescentou Galán.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo