Doentes queixam-se de gastar mais do que o necessário

As perguntas foram feitas ao Ministério da Saúde que as remeteu para os vários organismos que gravitam em seu redor.«1. Existe algum estudo que indique o impacto do quase milhão e meio de imigrantes no SNS, que surgiu nos últimos anos? Ou são só 900 mil? E em relação aos imigrantes que vêm a Portugal só para se ‘curar’ e partem sem pagar? Há números sobre essa situação?». A resposta da Direção Executiva (DE) do SNS foi um monte de palavras que dizem nada: «Qualquer pessoa estrangeira com residência legal no país pode obter o número de utente do SNS, o que lhe dá direito a assistência médica nas unidades públicas. O simples facto de ter número de utente não implica cobertura de despesas, sendo necessário que estejam associados dados como identificação, NIF, morada e autorização de residência válida. Os cidadãos estrangeiros temporariamente em Portugal (por motivos de estudo, trabalho ou turismo) que sejam titulares do Cartão Europeu de Seguro de Doença (CESD) ou do Certificado Provisório de Substituição têm direito a cuidados de saúde no SNS, sendo os custos reembolsados posteriormente pelo sistema de origem». Sobre os números e o impacto, zero.
«2. É um facto que no presente ano há mais 250 mil pessoas com médico de família. Qual a razão para o número de doentes sem médico de família não diminuir?». Aqui a resposta foi mais assertiva: «Relativamente à atribuição de médico de família, importa esclarecer que, a setembro de 2025, o número de utentes sem médico de família diminuiu em 75.772 face ao mesmo período do ano anterior. No mesmo período, foram atribuídos médicos de família a mais 309.538 utentes do que em 2024, mas registou-se também um aumento de 233.766 novos inscritos no SNS».
A terceira questão dizia respeito às denúncia de que, ao abrigo do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), médicos ganharam mais de 50 mil euros por uma simples cirurgia. O_Nascer do SOL questionava a DE do SNS sobre as cirurgias que foram adiadas depois do escândalo ter rebentado coma notícia da TVI/CNN, mas aqui o silêncio foi total, remetendo o assunto para o IGAS.
Mas se a DE do SNS foi parca em explicações sobre os assuntos colocados, o mesmo não se pode dizer da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que respondeu a todas as questões, explicando que as reclamações recebidas pela ERS «são classificadas como indicadores amplos, consoante os factos reclamados». Querendo isto dizer que o número de reclamações «podem ou não envolver casos compatíveis com o pretendido nas perguntas».
Doentes ‘obrigados’ a gastar mais dinheiro
Vamos então_às questões, algumas com respostas surpreendentes: «A ERS tem recebido queixas de doentes que tenham sentido que foram ‘obrigados’ a gastar mais dinheiro do que o necessário em hospitais privados, devido aos alegados incentivos a que são ‘obrigados’ alguns dos médicos?». Sempre com as devidas cautelas, diz: «A ERS tomou conhecimento do seguinte número de reclamações com a classificação ‘Questões financeiras > Faturação excessiva/abusiva’ (indicador que pode, ou não, incluir os casos em análise), relativamente a prestadores do setor privado: «Em 2021, 3.746 reclamações; em 2022, 6.563; em 2023, 3.742; em 2024, 2.907; e no corrente ano, até 27 de outubro, 3.305». O tema dos médicos do particular terem incentivos para ‘obrigarem’ os doentes a gastarem mais do que o necessário é do conhecimento geral, embora a Ordem dos Médicos diga que não tem conhecimento do facto (ver pág. 17). É estranho, no mínimo, quando há mais de 3.300 reclamações em apenas dez meses. Já o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), diz ter conhecimento de queixas por colegas médicos. Questionado sobre se os médicos, principalmente tarefeiros, são ‘convidados’ a marcar exames desnecessários, cirurgias evitáveis ou outros tratamentos, o SIM diz que as queixas de quem tem conhecimento dizem mais respeito à marcação de consultas para outras especialidades perfeitamente escusadas. Nuno Rodrigues, secretário-geral do SIM, entende que os médicos só ficam defendidos se tiverem contratos de trabalho com os privados (e os públicos). «O modelo que nós defendemos é que deve haver carreira médica para todos os elementos que prestam cuidados. Para que não haja, precisamente, esse tipo de incentivos a passar exames, etc. Aí fica muito mais regulado e o trabalhador fica muito mais defendido com um acordo de empresa. Não o fazendo, sendo um prestador, a relação de poder hierárquica é completamente distinta. Se não fazes, amanhã já não estás. No caso de alguém que esteja com contrato, não é bem assim». Já Roque da Cunha, também do SIM, reforça que a questão diz respeito à Ordem dos Médicos e à ERS, mas a Ordem deve «apostar forte e feio na investigação das denúncias». Roque das Cunha reforça ainda que «é fundamental que se actualizem as normas de orientação clínica, que foram elaboradas pela DGS e a OM,_que garante o cumprimento do ato médico».
Mortes e amputações evitáveis
E o que diz a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada? Zero, embora o mesmo não se aplique aos cortes anunciados na Saúde, que muito preocupa o setor privado, segundo um sindicalista ouvido pelo Nascer do SOL. Continuemos pois nas questões colocadas à ERS, que, repito, respondeu a tudo. «Quantos queixas receberam nos últimos dois anos de negligência médica, nomeadamente de mortes e amputações? Quantas queixas receberam de cirurgias marcadas erradamente, isto é: o doente padecia de uma doença específica e o médico marcou uma cirurgia para outro problema?». Aqui, mais uma vez, a Entidade Reguladora da Saúde, faz a devida ressalva: «A ERS exerce, nos termos dos seus Estatutos, funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades económicas na área da saúde dos setores privado, público, cooperativo e social. Importa, por isso, salientar que os profissionais de saúde não estão sujeitos à regulação da ERS, no que respeita à sua atividade, sendo esta sujeita à regulação e disciplina das respetivas associações públicas profissionais.
Assim, a negligência médica pode estar, ou não, enquadrada em temáticas que são alvo de classificação dentro do quadro de competências da ERS, nomeadamente nos indicadores: Adequação e pertinência dos cuidados de saúde/procedimentos; Qualidade técnica dos cuidados de saúde/procedimentos; A ERS tomou conhecimento do seguinte número de reclamações com as referidas classificações (indicadores que podem, ou não, incluir os casos em análise), relativamente a prestadores do setor público, privado e social – a reprodução do texto na íntegra serve para não criar equívocos. Assim em 2021, a ERS recebeu 11.013 queixas do setor público; 4.457 do privado; e 239 do social. No ano passado, foram 10.915 queixas do público; 5.593 do privado e 268 do social. Já no corrente ano, até 27 de outubro, 9.003 no público, 4.526 no privado e 263 no social». Aqui estão os números, mas quem se der ao trabalho de consultar o site da ERS é capaz de ficar com vontade de não voltar a entrar num hospital, público, privado ou social.
E foi com base na consulta ao site da ERS, que as perguntas foram colocadas. «Quantos utentes se queixaram do tempo de espera de cirurgias categorizadas como prioritárias?». Se em 2021 foram 723 e em 2022, 709, e estamos a falar de períodos de covid, já no corrente ano, 978 utentes apresentaram queixa.
Última questão: «Quantas queixas receberam de utentes que recusaram transfusões de sangue e os médicos se recusaram a prosseguir o tratamento/cirurgia?». «A ERS tomou conhecimento do seguinte número de reclamações com a classificação “Respeito por convicções ideológicas, religiosas, étnicas ou socioculturais” (indicador que pode, ou não, incluir os casos em análise): 41 em 2021 e 25 no corrente ano».
É este um pequeno retrato da Saúde, numa semana em que foram anunciados cortes no Orçamento do Ministério.
Jornal Sol

